Antes só…

04/02/2012

O autor da história de hoje é o Cesar Guludjian. A aventura dele no Ceará foi pra lá de emocionante! Confiram.

O micro-ônibus que me levaria de Fortaleza a Jericoacoara prometia uma viagem agradável. Ar condicionado, poucos passageiros, cinco horas de novas paisagens através do vidro fumê. Cinco foi o que me informou a desinformada moça que me vendeu a passagem. Foram oito.

Presenciei o milagre da multiplicação das horas e dos passageiros. Logo descobri que o coletivo era um pinga-pinga. Parava na menor cidadezinha que houvesse no trajeto. Gente de todo tipo subia e descia portando coisas as mais variadas, entre aves vivas, pacotes de sementes e outros insumos agrícolas, com seus odores peculiares.

Assim foi a ida. Mal sabia o que me esperava na volta.

A estada em Jeri foi ótima, mas melhor teria sido se uma intoxicação alimentar não tivesse me derrubado nos últimos dias. Entrei no micro-ônibus um tanto desidratado e debilitado, mas disposto a relaxar, talvez tirar uma boa soneca. Desta vez, pelo menos, eu ia com o espírito preparado para as longas oito horas de estrada. Mas não para o Arlindo.

Tal figura subiu a bordo na segunda parada. Enfiou um grande saco plástico verde no compartimento de bagagens de mão, instalou-se no assento ao meu lado e puxou conversa. Como se pode imaginar, eu não estava nem um pouco a fim de papo. Mas ele estava, e muito.

Apresentou-se, disse que era pescador de lagostas. Contou que costumava ficar no barco por dias a fio e acabava de retornar de uma dessas jornadas de trabalho no mar. Estava explicada a necessidade de dialogar: eu era o primeiro não crustáceo com quem o rapaz tinha a oportunidade de trocar ideias em um bom tempo.

Aqui entra a agravante etílica. Sempre que o ônibus parava, o pescador descia para comprar cerveja. Eu aproveitava e fingia estar dormindo, mas era em vão. Ele me cutucava e oferecia uma latinha, que eu educadamente recusava. Então desatava de novo a, entre goles generosos, falar sobre a mãe, a irmã, a tia, o cunhado… Trivialidades num coletivo do Ceará.

A cena se repetia a cada parada. Ele cada vez mais ébrio e tagarela, eu exercitando a minha paciência de Jó. Apesar de não estar dando pano para manga, tampouco destratei o sujeito, e ele pareceu ficar contente com isso. Tanto que, em determinado momento, me encarou e disse:

–  Taí, gostei de você! É gente boa. Vou te dar um presente.

No mesmo instante, ergueu-se, alcançou o saco verde e o abriu. O que se seguiu foi surreal: pelas mãos dele, saiu de dentro do embrulho e veio pousar no meu colo uma enorme lagosta!

–  Tá cozida e salgada, pronta pra usar.

Não sabia se ria ou se chorava, a situação era inusitada demais. Com esforço, balbuciei um agradecimento:

–  Puxa, não precisava…

Atônitos, os passageiros em volta olhavam para o bicho cheio de patas e antenas.

E o bicho olhava para mim.